Jesus e a guarda do sábado

A observância do sábado nos dias do ministério terreno de Jesus havia se tornado externa e formal. As autoridades religiosas de Israel haviam criado muitas restrições e estabeleceram regras meticulosas.

A Mishnah, antiga literatura religiosa dos judeus, nos tratados Shabbat e Erub, registra minúcias de como o sábado deve ser observado.
A tradição dos anciãos criou 39 proibições concernentes ao sábado. Por essa razão, o Senhor Jesus entrou diversas vezes em conflito com os escribas e fariseus. Uma delas aconteceu quando ele defende os seus discípulos por colherem espigas no sábado (Mt 12.1-5).

A passagem paralela aparece em Marcos 2.23-26 e Lucas 6.1-4. Em todas elas, o Senhor Jesus mencionou um trecho do Antigo Testamento em que Davi comeu o pão da proposição na casa do sacerdote Abiatar, quando estava sob a perseguição de Saul (1 Sm 21.6).
Assim, ele colocou a guarda do sábado na mesma categoria do preceito cerimonial.
A lei proibia que estranhos comessem do pão sagrado da proposição, o qual era restrito aos sacerdotes (Êx 29.33; Lv 22.10). Jesus foi além e disse que os sacerdotes no templo podiam violar o sábado e ficar sem culpa (Mt 12.5). Um mandamento moral é obrigatório por sua própria natureza. Não existe concessão para preceitos morais; aqui, a vida está acima do sábado.


Em outra ocasião, o Senhor Jesus torna a considerar o sábado um preceito cerimonial com base na própria lei de Moisés.

Ele nem precisou reivindicar a sua autoridade de Filho de Deus e Messias, ao lembrar às autoridades religiosas que a circuncisão de uma criança pode ser feita num dia de sábado. A lei prescreve que o menino deve ser circuncidado no oitavo dia de seu nascimento (Lv 12.3). Jesus disse que a circuncisão pode ser feita mesmo quando o oitavo dia coincide com sábado (Jo 7.22, 23).
Jesus declarou: "O sábado foi feito por causa do homem, e não o homem, por causa do sábado" (Mc 2.27).
Muitos comparam essas palavras a uma frase do Talmude creditada ao rabi Simeon ben Menasya, cerca de 180 d.C.:
"O sábado foi dado a vocês, não vocês entregues a ele". A interpretação judaica diz respeito à permissão da quebra do sábado em casos especiais, como a vida em perigo.
Mas o que Jesus disse significa que os seres humanos não foram criados para observar o sábado, mas que o sábado foi criado para o benefício humano. Ele não disse que o sábado foi feito por causa dos judeus ou de Israel, mas por causa de todos os seres humanos.
O sábado legal, do Decálogo, foi dado a Israel como sinal entre Javé e os israelitas (Êx 31.13, 17; Dt 5.15; Ez 20.12). Aqui, o Senhor Jesus se refere ao sábado institucional que Deus estabeleceu para o bem-estar e gozo de todos os seres humanos, e isto está acima de observância meticulosa do sábado.

A frase "Assim, o Filho do Homem até do sábado é senhor" (Mc 2.28) e as passagens paralelas (Mt 12.8; Lc 6.5) são disputadas pelos expositores do Novo Testamento.

Há duas linhas principais de interpretação:
a) a autoridade sobre o sábado foi conferida aos seres humanos, e
b) trata-se do próprio Senhor Jesus. A primeira nos parece menos aceitável porque Deus nunca delegou autoridade sem limites aos humanos e, também, porque a expressão grega ho huios tou anthrõpos, "o Filho do Homem", no singular, é título messiânico e não relativo a humanos.
Está claro que Jesus se referia a si mesmo. Esta é a melhor interpretação. Ele revelou seu poder e sua autoridade sobre as enfermidades, sobre a natureza, sobre todos os poderes das trevas, sobre a morte e o inferno; assim, nada mais natural ser mesmo o Senhor do sábado. O sábado veio de Javé e somente ele tem autoridade sobre a instituição. Então, não há outro no universo investido de tamanha autoridade, senão o Filho de Deus.

Mais uma vez, o Senhor Jesus Cristo apresenta o profeta Oseias como autoridade para fundamentar seu ensino (Mt 12.7; Os 6,6).
Ele acrescentou ainda que é "lícito fazer bem nos sábados" (Mt 12.12). Isso o próprio Jesus o fez (Mc 3.1-5; Lc 13.10- 13; 14.1-6; Jo 5.8-18; 9.6, 7, 16), e nós também devemos fazer o bem, não importa qual seja o dia da semana.
Como o sábado do relato da criação, não é regra legal opressiva; é chamado de sábado institucional que se transferiu para o domingo por causa da ressurreição de Jesus, mas não como mandamento.

Assim, como nada há no Novo Testamento que indique a sua observância, isso por si só mostra que o quarto mandamento não é um preceito moral. Esta interpretação é corroborada pelo fato de nem Jesus nem os apóstolos ensinarem a guarda do sábado.
O sábado não foi mencionado quando Jesus citou os mandamentos para o moço rico (Mt 19.17-19). Toda a lei se resume no amor a Deus e ao próximo (Mt 7.12; 22.40; Mc 12.31; Rm 13.10).

 Os dez mandamentos: valores divinos para uma sociedade em constante mudança / Esequias Soares. — Rio de Janeiro: CPAD, 2014.
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